sábado, 30 de novembro de 2013

Eu preciso te apresentar alguém



Sexta-feira, como véspera de sábado, é aquele dia em que ninguém está afim de ficar com dor de dente. Graças a Deus, esse motivo tem me feito não almoçar no horário nas últimas sextas-feiras desse mês. 

Ontem, como uma dessas esperas, me aparece um exame para fazer 12h05m. Fui lá na sala de espera receber a paciente e dei de cara com uma mulher de 48 anos de idade, elegante, de óculos de sol e uma filha realmente linda também de 29 anos. Esta última é do tipo que a gente segue no Instagram: uma loira de corpo invejável, sorriso largo e dentro de uma roupa de academia.

A mulher estava de óculos de sol. Não desses muito pretos. Era possível ver seus olhos. 
Eu não fazia ideia do "banho" de vida que eu ia levar na hora do almoço. Sem mais delongas, vou apresentá-la a você (mudando seu nome, antes que me dê um problema diante do conselho).

Pode chamá-la de Deise. Deise sofre de uma doença auto-imune chamada de "neuromielite óptica". A definição eu vou colocar lá no apêndice. Não importa muito aqui. Só para a gente entender melhor, um belo dia sem nada para fazer, o organismo dela entendeu aquele nervo dos olhos como um agressor e resolveu se defender dele, tentando destruí-lo. Nem fiz questão de ler a causa científica, mas, na minha opinião, a causa real é que o olhar da dona Deise ia tão longe que o organismo ficou com medo. Ele sabia que, em algum momento, ela poderia voar sozinha. 

Não condene o organismo. Se você a conhecesse, também ia ficar com medo desse potencial.

Pois bem, ela sentou na cadeira e me contou que descobriu a doença há aproximadamente 13 anos. Dali pra cá, a doença só vem sendo mais cruel (e a dona Deise, mais doce). Hoje ela já não enxerga mais e sente muitas dores no corpo todo, todos os dias, sem mais nem menos. Do diagnóstico até hoje, já esteve tetraplégica, internada no hospital do Fundão por 1 mês fazendo intensa fisioterapia e debaixo de muitos cuidados neurológicos. Saiu do hospital e depois de muito, muito, muito (já disse muito?) esforço, voltou a andar. Hoje ela anda com dificuldade e sente dores neuropáticas em todo o corpo. São como se fossem dores sem estímulo inicial. Doem "do nada" e forte demais.
Perguntei como ela faz para controlar essa dor. Ela me disse que não há controle. A alternativa dos médicos foi passar "Rivotril" para acalmá-la, deixá-la mais lenta, a ponto de ela conseguir conviver com a dor. 

Depois de tudo que ouvi, no meio da conversa, ela me solta assim: 
- Tudo eu aceitei. Todo o processo eu aceitei, mas eu não aceito a cegueira. 

Eu fiquei estarrecida, porque até ali, ela tinha sido natural em todos os pontos, como se já não fosse uma dificuldade. Ela anda exatamente como eu ando, se comunica super bem, sem a menor insegurança e  é muito bem resolvida, sem a menor aparência do cego de bengalas que fica apalpando tudo e com medo de falar sozinho. É bem verdade o que estou falando. Se você hoje encontrasse a dona Deise, você me diria que ela não sofre tudo o que eu disse ou que estou exagerando.
Eu disse isso para ela e falei que ela parecia muito bem resolvida com a cegueira e que eu imaginava serem as dores o ponto mais cruel. Ela me disse que não e me explicou:

- Existem dois pontos onde eu não aceito a cegueira. Eu sempre amei ver o mar. Você não tem noção do quanto. A outra coisa que dói é que todo mundo me fala que as minhas filhas são lindas. Eu lembro que elas eram lindas, mas eu queria saber se continuam e o quanto são. 

Acabou comigo.
Ah! Se esse sistema imune soubesse com quem ele está lidando, desanimaria hoje porque ele não tem força nenhuma com essa mulher. Se todas as células do organismo dela resolvessem doer, ela simplesmente pararia, respiraria fundo e diria o que disse pra mim: quando acontece, eu espero. Porque toda dor passa!



Não tenho nem mais o que falar ou o que postar. Essa história me deixou pouco espaço para "firulas", mas tive que compartilhar. Desde que pensei no blog, não consegui definir um tema do qual eu fosse escrever, mas penso que meu negócio é "gente" e mais "gente" que a dona Deise, impossível.
Parece clichê, mas conheci uma deficiente visual com uma visão trezentas mil vezes melhor do que a minha, que enxergo há 22 anos. 

Por isso tudo, eu precisava te apresentar alguém.







* Por definição, neuromielite óptica (NMO), é uma doença inflamatória e desmielinizante do sistema nervoso central que acomete principalmente os nervos ópticos e a medula espinal, ocasionando diminuição da visão e dificuldade para andar, dormência nos braços e nas pernas e alterações do controle da urina e do intestino.



5 comentários:

  1. E muitas vezes, a começar por mim mesma,nao damos valor aos minimos detalhes da vida...que Deus abençoe dona Deise...

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  2. E a garra dessa mulher? "Eu espero porque toda dor passa"!
    Dona Deise enxerga muito mais da vida que qualquer um de nós e fiquei emocionada demais com esse texto, mesmo com a prévia de ontem... rs
    Só peço a Deus que me ensine a ter um pouquinho dela, de tudo o que ela tem...
    Continue escrevendo pelamor!
    Beijinhos

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  3. Ah, Glaucia... ela passou por vc pra q nos recontasse de forma tão linda essa experiência de vida.
    Vc fazer isso da melhor forma.

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  4. eu convivi de perto com uma pessoa que tem neuromielite óptica, mas graças a Deus, ela não teve a visão afetada!mas perdeu o movimento das pernas e não voltou a andar (ainda)! posso mandar seu texto pra ela? ;)

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  5. Amigas, muito obrigada pelo carinho. É uma honra ter o texto lidos por vcs :)

    Gabriela, mas é claro!! Vou me sentir lisonjeada!!!

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